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Marilyn Monroe (Twenty Times), Andy Warhol, 1962

 

-Análise da Obra

  Com o tão conhecido rosto de Marilyn Monroe reduzido a números, a símbolos gráficos e campos cromáticos, Andy Warhol compôs faixas decorativas num sumptuoso fundo de ouro.

     O artista parte da imagem da atriz tirada do cartaz do filme que confirmara a sua fama, Niagara, operando uma espécie de corte cirúrgico sobre a figura, logo abaixo do pescoço e no espaço à volta dos cabelos – com uma operação equivalente ao zoom cinematográfico – focando no rosto a atenção do espectador.

No rosto, estão evidenciados e pesadamente marcados os famosos atributos de Marilyn – o louro platinado dos cabelos, a boca grande e vermelha – com cores saturadas e não naturais unidas ao verde ácido das sobrancelhas e, no lado direito do pescoço a pela que passa para tons lívidos, do cimento ao roxo. A obsessão da visão é completa: o rosto da atriz é aumentado e colocado ao centro do olhar, repetido em série, coberto de cores, excessivas e irreais.

No entanto, olhando com atenção, a força das cores e a própria compactação sólida deste ícone assim exibido, são ameaçadas e ofuscadas por estrias e manchas pretas, propositadamente provocadas durante a impressão gráfica. 

        Os rostos multiplicados de Marilyn Monroe tornam-se imagens já desgastadas pelo tempo, como os cartazes publicitários desbotados e danificados pela exposição solar ou as folhas de jornais pisadas ao longo da rua.

A atriz mais famosa da América é, deste modo, concebida numa visão gasta e, de algum modo ultrapassada, como se as fotografias requintadas e brilhantes que a retratam se tivessem repentinamente transformado em fotografias de recordação absurdas e brilhantes.

No decurso de sua carreira, Warhol trabalhou longamente os ídolos da visão cotidiana: rostos e corpos famosíssimos que as pessoas “possuem” de certa forma, por os terem visto centenas de vezes. O rosto isolado e replicado de Marilyn será longamente estudado pelo artista, permanecendo igualmente memoráveis as interpretações de Elvis Presley, Liz Taylor, Marlon Brando e até de Mao Tse Tung.

Nesta obra, o processo de repetição do retrato não confirma a autenticidade, criando, pelo contrário, uma desorientação e uma irónica tomada de distância da realidade: tantas Marilyn são ainda Marilyn? E qual entre as representadas, é a verdadeira?

A atriz desapareceu aos trinta e seis anos, precisamente na época desta obra, e de resto, as visões de Warhol conduzem a um último, subentendido, sentimento dramático, declarado abertamente nesses anos:  “Apercebi-me de que qualquer coisa que estivesse a fazer devia ser morte”.


MARILYN MONROE (Twenty Times)

Andy Warhol, 1962

Polímetro sintético, serigrafia em tela, 190 x 110 cm

Coleção particular


Fonte:

 Giullia Marrutti em “Das vanguardas à Arte Global”.


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