Pierre-Auguste Renoir, nascido a 25 de fevereiro de 1841, filho de um alfaiate de Limoges, concluiu provavelmente 6.000 obras nos seus quase 60 anos de atividade – a mais avultada obra da vida de um artista, antes de Picasso.
Os pais de Renoir,
mudaram-se com a familia para Paris em 1845, com a esperança de poder melhorar
seu nível de vida. Paris era então, a capital de um dos países mais importantes
do mundo. A nação francesa conseguira abrir caminho à unificação ainda na Idade
Média.
A arte desempenhava um
papel muito importante no segundo império Napoleónico. Desenvolvera-se uma
literatura rica, que incluía além de escritores de literatura popular, alguns
poetas muito sensíveis.
Existiam realistas
perspicazes que descreviam a vida contemporânea, e escritores críticos como
Gustave Flaubert e o jovem Emile Zola.
Os teatros, óperas e
concertos ofereciam à rica burguesia um exuberante regalo visual e auditivo.
O prefeito, o Barão Georges Eugene Haussman, havia iniciado uma profunda reestruturação do panorama da cidade. Foram construídas longas e pomposas avenidas, dispendiosas casas particulares e edifícios públicos como a Grande Ópera, mas também foram erguidas as enormes construções de aço e vidro dos mercados cobertos, o chamado ventre de Paris.
A academia de Belas Artes
organizava anualmente o Salon, uma exposição na qual um júri que era
constituído predominantemente por professores da Academia, selecionava cerca de
2.500 produtos dos esforços artísticos, confiando o comprador interessado no
parecer desse júri.
Renoir tinha talento para desenho e pintura, mas só tinha 13 anos.
Começou então, a trabalhar como decorador de porcelanas, pintando sobre
chávenas de café, florzinhas, idílios pastoris e o perfil de Maria Antonieta. E
desenvolveu esse ofício por 4 anos.
Na hora do almoço,
visitava o Louvre para desenhar a partir de esculturas antigas. Um dia, à
procura de um restaurante económico foi dar a Fontaine des Innocents,
decorada com relevos do escultor renascentista Jean Goujon. Desistiu do
restaurante, comprou um sanduiche e dedicou o
tempo a observar a fonte, foi o que contou mais tarde.
Tendo o desenvolvimento
fabril eliminado a pintura manual de porcelanas, Renoir dedicou-se à pintura de
leques e, posteriormente, à decoração de estandartes de igreja para os
missionários de ultramar, o que lhe permitiu adquirir um ligeiro e hábil
traçado com pincéis. Já idoso, muitas vezes recordava a quantidade de rococós
que havia copiado na juventude.
Com 21 anos dispunha de
dinheiro suficiente para poder começar os estudos académicos de pintura. Em
abril de 1862, ingressou na École des Beaux-Arts en Paris. Renoir
frequentou as aulas de vários professores, mas o seu verdadeiro professor foi
Charles Gleyre. Frequentava especialmente as aulas que Gleyre dava
particularmente, fora de la Ecole e nas quais 30 ou 40 alunos desenhavam
e pintavam a partir de um modelo nu.
Conheceu e tornou-se amigo
de Claude Monet, Alfred Sisley e Frederic Bazille. Monet era o mais enérgico
entre eles pois, aprendera com Eugene Boudin a ver e a pintar a paisagem com
luz natural e era a ele a quem menos agradava a luz do estúdio. Quando em 1864
Gleyre se reformou do ensino, os amigos continuaram a trabalhar sem tutor.
No Salon de 1864,
Renoir apresentou pela primeira vez um trabalho que foi aceite: Esmeralda,
dançando com a sua cabra, uma temática tirada da obra de Victor Hugo, Nossa
Senhora de Paris. Nesse quadro usou asfalto para escurecer uma cor e,
depois de ouvir conselhos de Diaz, um
dos pintores de Barbizon, já famoso, destruiu a tela.
Renoir, nessa época também
admirava a Gustave Courbet e a Eugene Delacroix a quem admirava o ardor das
cores e o aspecto festivo de seus quadros.
Em 1867, o júri do Salon
rejeitou sua pintura Diana. É que neste ano realizava-se em Paris uma
Exposição Mundial e o júri pretendia apresentar aos visitantes uma imagem
“imaculada” da pintura francesa.
Nos 3 anos seguintes,
Renoir conseguiu apresentar os seus quadros no Salon, embora o modo da pintura
fosse mais moderno, uma atmosfera mais liberal tomara posse do júri. O
governo imperial (que estava nos últimos anos de sua existencia) não se podia
atrever a descontentar inutilmente a burguesia.
Os pequenos sucessos não
livravam Renoir das necessidades materiais. As suas economias já estavam
gastas. O seu abastado amigo Bazille concedeu-lhe alojamento no seu estúdio e ambos pintavam juntos
postais para ganhar dinheiro.
É impressionante constatar
que Renoir, Monet, Sisley e Camille Pissarro, que lutavam pela simples
existencia, deixando de comer para comprar material para seus trabalhos, nunca
iriam pintar um quadro que expressasse desgosto ou medo da vida, nem quadros
que manifestassem um ambiente pessimista ou deprimido.
Entre 1867 e 1871 os
pintores jovens lutavam por novos princípios artísticos. Encontravam-se à noite
no Café Guerbois na grande Rue de Batignolles, quando estavam em Paris. Manet
formava o núcleo do grupo, que também incluía autores e críticos de arte Zola,
Théodore Duret, Zacharie Astruc, Edmont Duranty etc.
Nas conversas, o magro e
nervoso Renoir não pertencia aos oradores. Ele era animado, inteligente e
humorístico, não não era nem um lutador nem um teorista. Para ele, pintar não
era uma ocupação com programas rígidos, mas sim um exercício que deveria ser
exercido com prazer e modéstia.
Esses pintores começaram a
perceber como os objetos mudavam de cor, conforme e luz e os reflexos coloridos
do ambiente que batiam neles, observavam como a vibração do ar tirava aos
objetos seus rígidos contornos e que, assim, nem tudo se podia ver com a mesma
nitidez.
Na pintura, tudo que
seguia as regras tradicionais era-lhes adverso, eles procuravam a beleza na
vida do próximo, onde ela fluía mais frescamente, na vida íntima da familia, no
passeio e na brincadeira, e onde se assistia a algo novo; no desporto e na
mudança das condições de vida
nas grandes cidades.
A primeira obra-prima
de Renoir data de 1867 e é Lise com a Sombrinha, que pôde ser
contemplada no Salon da seguinte primavera. Três anos mais tarde Renoir
toma sua íntima amiga Lise se como modelo para Odalisca, uma obra no
estilo oriental em voga naquele tempo, na sequência de Argelinas de
Delacroix.
Os quadros da Grenoulliere são o melhor testemunho do trabalho conjunto de Monet e Renoir. A multidão na margem ou no pontão, as barracas, os nadadores e os barcos a remos, e sobretudo a água cintilante, que reflete as inúmeras cores, tudo isto foi pintado com um traçado de pincel largo e bosquejado. No quadro falta todo tipo de composição tradicional, são tão turbulentos como a animada multidão, cujos entretenimentos nos são conhecidos das novelas de Guy de Maupassant.
Na primavera de 1870, Renoir e quase todos os seus amigos estavam representados no Salon. Mas, em julho, rebentou a guerra coma Prússia e os seus aliados. Renoir teve de prestar serviço na cavalaria. Napoleão III foi derrotado.
Quando no ano de 1872,
Renoir envia novamente trabalhos ao Salon, o seu quadro Parisienses
em trajes Argelianos, que se orientava por Delacroix, foi rejeitado. Após a
experiencia do ano da revolução, a alta-burguesia ficara duplamente desconfiada
contra todo o tipo de inovação. E isso não iria se alterar nos anos seguintes.
Mas nestes tempos em que foram combatidos, insultados e escarnecidos pela crítica oficial, e nos quais os de proveniência modesta como Renoir continuavam a sofrer períodos de grande miséria, os pintores de 30 a 40 anos de idade juntaram-se definitivamente num grupo, numa comunidade artística de combate, que desenvolveu plenamente o seu estilo novo e o propagou em toda a sua riqueza. Nestes anos produziram-se as obras mais maduras do Impressionismo francês, e particularmente Renoir ostenta a completa magia da sua pintura, a fecunda exuberância de sua fantasia e a sua energia.
A época logo após a
guerra e a Comuna foi marcada por uma grande prosperidade econômica em
França. O comércio florescia, os preços dos quadros subiam e, em alguns casos,
mesmo as pinturas dos Impressionistas foram vendidas por inesperadas grandes
somas de dinheiro.
Paul Durand-Ruel tinha
assumido o negócio de objetos de arte de seu pai e lutou com sagacidade e
habilidade pelo reconhecimento público dos pintores de Barbizon. Começou a
fazer bons negócios e provou ter faro para a qualidade e muita coragem.
Monet escreveria mais
tarde: “Durand-Ruel ofereceu seu
apoio a todos nós. Era um feito heroico. Seria necessário um estudo profundo
para esclarecer o papel que há desempenhado esse grande marchante de arte na
história do Impressionismo”.
Em abril de 1876, os pintores
impressionistas expuseram na galeria de Durand-Ruel, Renoir expôs 15 quadros
dos quais 6 já pertenciam a Victor
Chocquet, um novo amigo e admirador de sua arte. Houve críticas boas e más.
Renoir conheceu a Georges Charpentier, o editor de Zola, que lhe encomendou um
retrato de sua esposa com os seus filhos,
assim como outros quadros decorativos. Foi assim que Renoir pôde alugar uma
casa em Montmartre e utilizar o jardim negligenciado como estúdio ao ar livre.
Foi com Madame Charpentier e seus filhos, apresentado ao Salon de 1879, que Renoir teve aberto seu caminho de sucesso com o público. Por intermédio de Charpentier ele conseguiu fazer uma exposição individual de pinturas a pastel e encontrou mais protectores, em particular o diplomata Paul Bérard, em cuja propriedade Wargemont, perto de Berneval, na Normania, chegaria a viver e trabalhar muitas vezes.
Renoir não participou das exposições impressionistas de 1879,1880 e 1881. Havia entre ele e os seus antigos companheiros desacordos que em parte também deviam ter tido carácter político.
Ele rejeitara o “anarquismo” de alguns pintores como Jean François Raffaelli e Armand Guillaumin, e discordava das ideias socialistas de Pissarro. De igual modo estava longe do agressivo desprezo pelo público do desiludido Edgar Degas.
Em 1881 suas vendas
possibilitaram-lhe algumas viagens. Em março esteve em Argel, onde o sol em
brasa e o esplendor das cores o fascinavam da mesma maneira que tinham
fascinado, meio século antes, a seu pintor favorito, Delacroix. Esteve em
Veneza, Roma, Palermo e em Provence onde visitou seu amigo Paul Cézanne e
apanhou uma pneumonia.
Em abril de 1882, 25
dos seus quadros foram expostos na sétima exposição dos artistas independentes
Realistas e Impressionistas, entre eles Almoço dos Remadores e Panoramas de
Veneza, mas foram enviados por seu marchante Durand-Ruel e não por ele
mesmo. Renoir pôde, sem receio, expor paralelamente no Salon, o que ele
faria todos os anos entre 1878 e 1883, libertando-se do “toque revolucionario” que, como ele mesmo disse, o assustava.
Em abril de 1883, Durand-Ruel promoveu uma exposição especial sobre Renoir em sua nova galeria, no Boulevard de la Madeleine.
No final do verão, Renoir pintou em Guernsey, uma ilha no Canal da Mancha, no inverno viajou com Monet para Gênova e visitou Cézanne em L’Estaque na costa provençal.
A partir dessa época
ele ausentava-se temporariamente de Paris, todos os anos, tanto no verão como
no inverno. Muitas vezes ia à costa da Normandia ou da Bretanha, a terra de
Aline Charigot, uma modelo encantadora, com quem se casou em 1890.
Renoir pintava a realidade, tal como a via e a afirmava: o gozo da vida dos abastados, por cuja simpatia tinha que lutar para poder subsistir como pintor, e as alegrias da boêmia pequeno-burguesa, da qual fazia parte, que demonstrava um comportamento polido e que nada tinha de subversivo ou trágico. A sua pintura não abrangia toda a verdade social.
Os quadros de Renoir
deixam sobressair alguns complexos temas: os retratos ou as figuras individuais captadas igualmente
em forma de retrato, a dança, o
teatro e a convivência, os passeios ao ar livre, o movimento nas ruas das
grandes cidades e a paisagem.
Os retratos de Renoir, como todas as suas representações de pessoas, revelam-no especialmente dotado para a reprodução do charme feminino e ainda para apanhar as variadas facetas do atraente feitiço que pode partir de uma mulher. Ele expressou repetidas vezes, magistralmente, o fascínio perante a beleza da mulher e transmite desta forma a quem observa seus quadros, um autêntico sentimento de alegria.
É, sem dúvida, pequena a área da essência humana que ele captou através da pintura, dado que não há nenhuma mulher triste, aborrecida, feia ou velha, uma vez que ele não representou caracteres profundos ou problemáticos e todos os seus seres masculinos adquirem nos seus quadros um traço suave.
Mas, ninguém entendeu
tão bem como Renoir, instruído pelos galantes mestres do rococó, como refletir
através da compostura das suas figuras o sorriso da felicidade, a prurida doçura
da paixão, o agradável e despreocupado gozo da vida.
As últimas três décadas de vida de Renoir (1888-1919) carecem de drama exterior, mas estão sombreadas por tragédia pessoal. Foram repletas do triunfo silencioso de sua arte, do seu reconhecimento geral e da sua melhoria financeira que o livrava de preocupações. Foram, porém, abaladas pelo amargo destino de uma doença grave, contra a qual teve de lutar e pelo destino de todos os pintores ao envelhecer, ou seja, ter que assistir à maneira como a sua arte é ultrapassada pela geração sucessora.
O ano de 1890 foi
quando Renoir obteve reconhecimento público. Durand-Ruel exibiu 110 de seus
quadros numa exposição especial e o estado francês, comprou pela primeira vez
um quadro seu para o museu du Luxemburg: Yvonne e Christine Lerolle ao Piano.
Em 1905, a família mudou-se para Cagnes, não longe de Antibes, uma paisagem quente. Renoir mandou construir a casa Les Colettes num olival cerrado, que veio a ser o estúdio ao ar livre dos seus últimos anos.
A grave artrite causava-lhe dores terríveis. Os ossos deformavam-se, a carne ressequia. Em 1904 pesava apenas 48,5 quilos e era incapaz de se sentar. Depois de 1910 mal conseguia andar, mesmo com muletas e ficou preso à cadeira de rodas. Por algum tempo esteve completamente paralisado.
No início da Primeira
Guerra Mundial, que ele desprezava como sendo absurda, os seus dois filhos Jean
e Pierre ficaram gravemente feridos. A mãe deles tratou-os, mas, profundamente
deprimida veio a falecer em 1915.
Terminada a guerra,
Renoir ainda voltou a Paris e pôde, conduzido em cadeira de rodas, ver seus
quadros preferidos no Museu do Louvre e ter a alegria de ver o seu estudo de
1877 para o quadro Madame Charpentier exposto ao lado de O Casamento
de Canaã, de Paolo Veronese.
Renoir era um homem
simples e bom. Não conseguiu juntar-se às pessoas que, já no seu tempo,
queriam erguer um mundo tão belo e puro quanto ele revelava em todos os seus
quadros, sobre bases mais sólidas e racionais do que sobre o simples culto da
beleza sensivelmente perceptível e que, por isso, punham em questão a sua vida burguesa.
Não queria ser revolucionário, mas nunca mentiu nem inflamou seu ego de tal forma que as proporções da realidade à sua volta se distorcessem. Amava o homem, a luz e a natureza infinita.
Renoir nunca deixou de
projetar nos seus quadros a possibilidade de uma vida em felicidade e harmonia. Poucos dias antes de sua morte terminou a grande composição Descanso depois do banho.
Regressado a Cagnes, continuou a pintar “ainda faço progressos”, disse poucos dias antes de sua morte. Relata-se que a última palavra que a 3 de dezembro de 1919 saiu de seus lábios, se referia ao arranjo de uma natureza-morta que pretendera pintar. Era: Flores...
Bouquet de Primavera.