"O quarto do artista", 1889 - Museu do Louvre, Paris
Van Gogh absorvera as lições do impressionismo e do pontilhismo de Seurat. Gostava da técnica de pintar em pontos e pinceladas de cor pura, mas em suas mãos ela tornou-se algo diferente do que esses artistas de Paris pretendiam realizar com ela.
Van Gogh usou cada pincelada não só para dispersar a cor, mas também para comunicar sua própria excitação. Em uma das cartas a Theo, descreve o seu estado de inspiração
"as emoções são, por vezes, tão fortes que trabalho sem ter consciência de estar trabalhando... e as pinceladas sucedem com uma sequência e coerência idênticas às de palavras numa fala ou numa carta".
A comparação não podia ser mais clara. Em tais momentos, Van Gogh pintava como outros homens escrevem.
Assim como o aspecto de uma página manuscrita, os traços deixados pela pena na folha de papel, revela algo dos gestos de quem escreve, de modo que sentimos instintivamente quando uma carta foi escrita sob grande tensão emocional, também as pinceladas de Van Gogh nos dizem algo a respeito do seu estado mental.
Antes dele, jamais um artista usara esse meio com tanta consistência e efeito. Recordemos que existe um trabalho audacioso e solto de pincel em obras anteriores, nas pinturas de Tintoretto , Frans Hals e Manet ; mas, neles, isso reflete a mestria soberana do artista, sua rápida percepção e capacidade mágica de evocar uma visão.
Em Van Gogh, porém, ajuda a comunicar a exaltação mental do artista. Ele gostava de pintar objetos e cenas que propiciassem plena amplitude a esse novo meio - motivos que tanto podia desenhar como pintar com seu pincel, usando a cor espessa tal como um escritor que sublinha determinadas palavras.
Por isso ele foi o primeiro pintor a descobrir a beleza do restolho, das cercas vivas e dos trigais, dos galhos descarnados das oliveiras e das formas escuras dos ciprestes, esguios e pontiagudos como labaredas.
Van Gogh vivia em tal frenesi de criação que sentia o impulso não só de desenhar o próprio sol radiante, mas também de pintar as coisas humildes, repousantes e caseiras que ninguém imaginara sequer serem dignas da atenção de um artista.
Pintou seus exíguos aposentos em Arles, e o que escreveu sobre essa tela a seu irmão explica maravilhosamente bem suas intenções:
“Eu tinha uma nova ideia em minha cabeça e aqui está o seu esboço... desta vez, trata-se simplesmente do meu quarto, só que a cor se encarregará de tudo, insuflando, por sua simplificação, um estilo mais impressivo às coisas e uma sugestão de repouso ou de sono em geral. Numa palavra, contemplar o quadro deve ser repousante para o cérebro ou, melhor dizendo, para a imaginação.
As paredes são violeta-pálido. O piso é de ladrilhos vermelhos. A madeira da cama e as cadeiras, amarelo de manteiga fresca, os lençóis e almofadas de um tom leve de limão esverdeado. A colcha, escarlate. A janela, verde. A mesa de toilette, laranja e a bacia, azul. As portas, de cor lilás.
E é tudo, nesse quarto nada existe que sugira penumbra, cortinas corridas. As linhas amplas do mobiliário, repito, devem expressar absoluto repouso. Retratos nas paredes, um espelho, uma toalha e algumas roupas. A moldura - como não existe branco no quadro - será branca. Isso à guisa de vingança pelo repouso forçado que fui obrigado a fazer.”Trabalharei nele o dia inteiro, mas você vê como a concepção é simples. As gradações de cor e as sombras estão suprimidas, o quadro será pintado em camadas leves e planas de tinta, jogada livremente como nas gravuras japonesas...”.
É evidente que Van Gogh não estava principalmente interessado na representação correta.
Usou cores e formas para transmitir o que sentia a respeito das coisas que pintava e o que desejava que outros sentissem. Não se importava muito com o que chamava de "realidade estereoscópica", ou seja, a reprodução fotograficamente exata da natureza. Exagerava e até mudava a aparência das coisas, se isso se adequasse ao seu propósito. Assim, chegara por um caminho diferente a uma conjuntura semelhante àquela em que Cézanne se encontrou durante esses mesmos anos. Ambos deram o passo importante de abandonar deliberadamente a finalidade da pintura como "imitação da natureza". Suas razões, é claro, foram diferentes.
Fonte: Historia da Arte, E. H. Gombrich