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Picasso: Umas pinceladas.

 

Pablo Picasso (1881-1973) era filho de um professor de Desenho e fora uma espécie de menino prodígio na Escola de Arte de Barcelona. Foi para Paris aos 19 anos de idade, onde pintou assuntos que teriam agradado aos expressionistas: mendigos, marginais, vagabundos e gente de circo.

Mas, evidentemente, não se satisfez com isso e começou a estudar arte primitiva, para a qual Gauguin e também Matisse, talvez, haviam chamado a atenção. Podemos imaginar o que ele aprendeu com essas obras: aprendeu como é possível construir um rosto ou objeto a partir de poucos elementos muito simples.

                                                Rapariga com bandolim, 1910

Isso era algo diferente da simplificação da impressão visual que os artistas anteriores tinham praticado. Eles haviam reduzido as formas da natureza a um padrão plano. Talvez existissem meios de evitar a ausência de relevo, de construir a imagem de objetos simples e, no entanto, reter um sentido de solidez e profundidade.

                                                Mulher e pera, 1909.

Foi esse problema que levou Picasso de volta a Cézanne. Numa de suas cartas a um jovem pintor, Cézanne aconselhara-o a observar a natureza em termos de esferas, cones e cilindros. Queria presumivelmente dizer com isso que deveria manter sempre em mente essas formas sólidas básicas quando organizasse suas pinturas.

                                                    Vaso com flores, 1910

Mas Picasso e seus amigos decidiram aceitar o conselho literalmente. Suponho que raciocinaram mais ou menos assim: "Abandonamos há muito a pretensão de que representamos as coisas tal como se apresentam aos nossos olhos. Isso era um fogo-fátuo que é inútil querer explorar. Não queremos fixar na tela a impressão imaginária de um momento fugaz.

                                                O copo de absinto, 1910.

Sigamos o exemplo de Cézanne e construamos um quadro de nossos motivos tão sólida e duradouramente quanto pudermos. Por que não ser coerente e aceitar o fato de que o nosso objetivo real é construir algo, em vez de copiar algo?”

                    Violino e uvas, 1912
Se pensarmos num objeto, digamos, um violino, ele não se apresenta ao olho de nossa mente tal como o vemos com os olhos do nosso corpo. Podemos pensar e. de fato, pensamos em seus vários aspectos ao mesmo tempo. Alguns deles destacam-se tão claramente que sentimos poder tocá-los e manipulá-los.

E, no entanto, essa estranha mistura de imagens representa mais do violino "real" do que qualquer instantâneo ou pintura meticulosa poderia jamais conter". Este suponho eu, foi o raciocínio que culminou em pinturas tais como a natureza-morta de Picasso intitulada "Violino e Uvas".

O arco e as cordas flutuam algures no espaço: as cordas até ocorrem duas vezes, uma vez relacionada com a vista frontal, outra na direção da voluta.              

Apesar dessa aparente confusão de formas desconexas - e há mais do que as que enumerei - o quadro não parece realmente desordenado. A razão é que o artista construiu o seu quadro a partir de peças mais ou menos uniformes, pelo que o todo apresenta uma consistência comparável à de obras de arte primitiva como o mastro totêmico americano.

                     Tres mulheres sob uma árvore, 1907.

Existe, é claro, um inconveniente nesse método de construção da imagem de um objeto - inconveniente de que os originadores do cubismo estavam perfeitamente cônscios. Ele só pode ser usado com formas mais ou menos familiares.

                                                    A mulher que chora, 1937

Quem olha para o quadro deve saber qual é o aspecto de um violino, para poder relacionar entre si os vários fragmentos no quadro. É por isso que os pintores cubistas escolhem usualmente motivos familiares - guitarras, garrafas, fruteiras ou, ocasionalmente, uma figura humana - onde podemos facilmente encontrar o nosso caminho através dos quadros e entender as relações entre as várias partes.

Nem todas as pessoas gostam desse jogo e não há razão para que devam gostar. Mas há todas as razões para esperar que acreditem que um violino "tem esse aspecto". Mas nunca se pensou em insultar ninguém. O artista, se pensou em alguma coisa a respeito dos críticos, foi em ter com eles uma cortesia. Pressupôs que eles sabiam como era um violino e que não se aproximavam de seu quadro para receber essa informação elementar.

                     Mulher no espelho, 1932.

Convidava-os a compartilharem com ele desse jogo sofisticado de construção da ideia de um objeto sólido e tangível a partir de um punhado de fragmentos planos em sua tela. Sabemos que artistas de todos os períodos tentaram apresentar suas soluções pessoais para o paradoxo essencial da pintura: a representação da profundidade numa superfície plana. O cubismo foi uma tentativa, não de encobrir esse paradoxo, e sim, de explorá-lo para novos efeitos.

                                                        O sonho, 1932

Picasso nunca pretendeu que os métodos do cubismo pudessem substituir todos os outros modos de representar o mundo visível. Pelo contrário. Estava sempre disposto a modificar seus métodos e retornar, uma vez por outra, dos mais arrojados experimentos em criação de imagens às várias formas tradicionais de arte. 

                    Tres músicos, 1921

Das aventuras na fronteira do impossível Picasso retornava a imagens firmes, convincentes e patéticas.

                                            Ma Jolie, 1912.

Nenhum método e nenhuma técnica o satisfaziam por muito tempo. Por vezes, abandonava a pintura, trocando-a pela cerâmica à mão. Talvez fosse precisamente a sua espantosa facilidade no desenho, a sua virtuosidade técnica, que fizeram Picasso ansiar pelo simples, pelo incomplexo.

Deve ter-lhe proporcionado uma satisfação peculiar pôr de lado toda a sua destreza e habilidade para fazer algo, com suas próprias mãos, que recorda as obras de camponeses ou crianças.

O próprio Picasso negou que estivesse realizando experiências. Disse que não investigou; encontrou. Zombava dos que queriam entender a sua arte. "Todos querem entender arte. Por que não tentar entender o canto de um pássaro?" Ele estava certo, é claro. Nenhuma pintura pode ser inteiramente "explicada" em palavras. Mas as palavras são, por vezes, úteis indicadores, ajudam a dissipar mal-entendidos e podem-nos dar, pelo menos, uma ideia da situação em que o artista se encontra. Acredito que a situação que levou Picasso aos seus diferentes "achados" foi muito típica da arte do século XX.

As Raparigas de Avigñon, 1907 - MOMA, NYC.


Momento "Caras" - Alguns dos amores de Picasso.


Fernanda Olivier, Olga Koklova, Marie-Therese Walter, Dora Maar, Françoise Gilot e Jacqueline Roque.


Fonte: História da Arte, Gombrich.


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