Avançar para o conteúdo principal

O Brasil de Candido Portinari

 

Candido Portinari (Brodósqui, São Paulo, 1903 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1962). Pintor, gravador, ilustrador e professor. Portinari caracteriza-se como um artista que muda suas técnicas ao longo do tempo, mas mantém como temática o homem brasileiro e as questões sociais e históricas que o determinam.

O pintor inicia sua formação artística na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1920. Obtém o prêmio de viagem ao exterior em 1928 e segue para a Europa no ano seguinte, episódio crucial em sua trajetória artística. Lá, conhece as obras dos mestres italianos Giotto (ca.1266-1337) e Piero della Francesca (ca.1415-1492), além de importantes nomes da cena europeia da época, como o artista plástico italiano Amedeo Modigliani (1884-1920) e o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Todos esses artistas têm grande influência na obra de Portinari em diferentes momentos de sua carreira. 

                 Café, 1935

Retorna ao Brasil no início de 1931 e passa a produzir com intensidade. No começo da carreira, Portinari tem a intenção de criar uma pintura de característica nacional, baseada em tipos brasileiros, seguindo o legado do pintor Almeida Júnior (1850-1899).

Para o escritor Mário de Andrade (1893-1945), em grande parte de suas pinturas, Portinari não está preocupado em retratar determinado brasileiro (como faz Almeida Júnior no fim do século XIX), mas o povo brasileiro. Assim, Portinari supera o regionalismo de Almeida Júnior e produz uma obra com um caráter nacional e moderno, não apenas pelos temas tratados, mas também por suas grandes qualidades plásticas, o que vai ao encontro das ideias de Mário de Andrade e do movimento modernista brasileiro.

                           O Mestiço, 1934

Os quadros O Mestiço e Lavrador de Café (ambos de 1934) são exemplos dessa figura do brasileiro retratada por Portinari. Neles, os personagens são pintados em composições monumentais, e predominam tons de marrom da paisagem, na qual se destacam os campos cultivados ao fundo.

                            O Lavrador de Café, 1934

Também em Café (1935), a figura humana adquire formas escultóricas robustas, com o agigantamento de mãos e pés, recurso que reforça a ligação dos personagens com o mundo do trabalho e da terra. Esta obra rende ao pintor um prêmio do Carnegie Institute, de Pittsburgh, Estados Unidos, em 1935, e ele se torna o primeiro modernista brasileiro premiado no exterior. 

Portinari é um artista reconhecido não apenas por seus quadros, mas também por seus famosos murais em prédios e monumentos importantes. Em 1936, realiza seu primeiro mural, que integra o Monumento Rodoviário da Estrada Rio-São Paulo.

                                     Detalhe de azulejos no MEC do Rio de Janeiro

Em seguida, convidado pelo então ministro Gustavo Capanema (1900-1985), pinta vários painéis para o novo prédio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), no Rio de Janeiro, com temas dos ciclos econômicos do Brasil. 

                    Detalhe em mural da biblioteca do Congresso em Washington

Em 1941, pinta os painéis para a Biblioteca do Congresso em Washington D.C., Estados Unidos, com temas da história do Brasil. Realizados em têmpera, com grande luminosidade, os painéis têm como protagonistas, mais uma vez, os trabalhadores. 

Ainda na década de 1940, depois de ver Guernica (1937), de Picasso, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), a admiração de Portinari pela obra do pintor espanhol, presente desde o início da carreira, é renovada. O trabalho de Portinari passa, então, a apresentar mais dramaticidade, expressando a tragédia e o sofrimento humano, e adquire caráter de denúncia em relação a questões sociais brasileiras, reveladas em obras como as da Série Bíblica (1942-1944) e Os Retirantes (1944-1945). 

Na Série Bíblica, em telas como O Último Baluarte (1942) e O Massacre dos Inocentes (1943), a influência de Picasso pode ser percebida no uso dos tons de cinza, na teatralidade dos gestos, na criação de um espaço abstrato, na deformação pronunciada e no choque constante entre figura e fundo. 

                                     Os Retirantes, 1944

Já na Série Os Retirantes, os elementos expressionistas continuam presentes, mas com uma dramaticidade mais controlada. As telas são construídas com pinceladas largas e em composições piramidais, apresentando uma paleta dominada por tons terrosos e cinza, que realçam o caráter da representação. O artista expressa a tragédia dos retirantes por meio dos gestos crispados das mãos e das lágrimas de pedra. Há uma desarticulação das figuras, em um ritmo definido pelas linhas negras, com um fundo que tende à abstração em algumas obras.


                          Painéis Guerra e Paz, produzidos para a ONU 1953-1956.

Em 1956, Portinari inaugura os painéis Guerra e Paz (1953-1956), produzidos para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, pelos quais recebe o Prêmio Guggenheim no mesmo ano. Esses murais apresentam um resumo da trajetória do artista, em termos de iconografia: neles estão presentes a mãe com o filho morto, os retirantes e os meninos de Brodósqui.

                          Meninos soltando pipa, 1947.

Em 1979, seu filho João Cândido Portinari (1939) implanta o Projeto Portinari, que reúne um vasto acervo documental sobre a produção, a vida e a época do artista, com o objetivo de resgatar mais de 4.600 obras de Candido Portinari, que  constituem, em sua grande maioria, coleções particulares, inacessíveis ao grande público. 

                         A primeira missa no Brasil, 1948.

Candido Portinari é um dos maiores expoentes da arte brasileira, não apenas por suas qualidades artísticas e pelo seu reconhecimento internacional, mas, principalmente, por contribuir com a fundação de uma cultura nacional no Brasil. Sua obra é ao mesmo tempo singular, ao retratar as     mazelas sociais brasileiras, e universal, ao retratar o sofrimento humano. Entretanto, foi capaz também de exibir o lirismo e a beleza presentes na infancia.

                                          Paisagem com bananeiras, 1927.


Fonte bibliográfica: Candido, Portinari. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.  

Mensagens populares deste blogue

Caspar Friedrich e o romantismo alemão

Caspar David Friedrich, 1774-1840 Em 1817 o poeta sueco Per Daniel Atterbon visitou o pintor alemão Caspar David Friedrich, em Dresden. Passados trinta anos, escreveu as suas impressões sobre o artista. “Com uma lentidão meticulosa, aquela estranha figura colocava as suas pinceladas uma a uma sobre a tela, como se fosse um místico com seu pincel”.                                                  O viajante sobre o mar de névoa, 1818. As figuras místicas e os génios brilhantes foram os heróis do Romantismo. Jovens com expressões de entusiasmo ou com os olhos sonhadores, artistas que morriam ainda jovens na consciência melancólica do seu isolamento social povoavam as galerias de retratos por volta de 1800.                                                            A Cruz na montanha, 1807. Friedrich afirmava frequentemente que um pintor que não tivesse um mundo interior não deveria pintar. Do mundo exterior vê-se apenas um pequeno extrato, todo o resto é fruto da imaginação do artista,

Fernando Botero, estilo e técnicas.

  As criações artísticas de Botero estão impregnadas de uma interpretação “sui generis” e irreverente do estilo figurativo, conhecido por alguns como "boterismo", que impregna as obras iconográficas com uma identidade inconfundível, reconhecida não só por críticos especializados mas também pelo público em geral, incluindo crianças e adultos, constituindo uma das principais manifestações da arte contemporânea a nível global. A interpretação original dada pelo artista a um espectro variado de temas é caracterizada desde o plástico por uma volumetria exaltada que impregna as criações com um carácter tridimensional, bem como força, exuberância e sensualidade, juntamente com uma concepção anatómica particular, uma estética que cronologicamente poderia ser enquadrada nos anos 40 no Ocidente. Seus temas podem ser actuais ou passados , locais mas com uma vocação universal (mitologia grega e romana; amor, costumes, vida quotidiana, natureza, paisagens, morte, violência, mulheres, se

José Malhoa (1855-1933), alma portuguesa.

Considerado por muitos como o mais português dos pintores, Mestre Malhoa retrata nos seus quadros o país rural e real, costumes e tradições das gentes simples do povo, tal qual ele as via e sentia. Registou, nas suas telas, valores etnográficos da realidade portuguesa de meados do séc. XIX e princípios do séc. XX, valendo-lhe o epíteto de ‘historiador da vida rústica de Portugal’. Nascido a 28 de Abril de 1855, nas Caldas da Rainha, José Victal Branco Malhoa é oriundo de uma família de agricultores. Cedo evidenciou qualidades artísticas. Gaiato, traquina, brincalhão, passava os dias a rabiscar as paredes da travessa onde vivia. Aos doze anos, o irmão inscreve-o na Academia Real de Belas-Artes. No fim do primeiro ano, a informação do professor de ornato e figura indicava “pouca aplicação, pouco aproveitamento e comportamento péssimo”. Porém, ele depressa revela aptidões que lhe dariam melhores classificações. Passava as tardes a desenhar os arredores de Lisboa, sobretudo a Tapada