O azul do céu mais intenso, mais brilhante, mais claro que Van Gogh alguma vez pintou, será por ventura o que se encontra no plano de fundo de “Amendoeira em flor”, que foi pensado como presente para seu afilhado e sobrinho que havia nascido no fim de janeiro de 1890 e recebera o nome de Vincent.
Só as flores de branco luminoso rompem dos ramos ainda hirtos de inverno e anunciam, como mensageiras de Primavera, o romper de nova vida.
Amendoeira em Flor, Van Gogh, 1890.
Vincent investiu no quadro uma paciência e autodomínio, como em geral não era seu hábito. Talvez tivesse refreado tanto que adoeceu, neste seu último quadro de Saint-Rémy.
Em Janeiro e Fevereiro de 1890, além do nascimento do sobrinho-afilhado ainda se passaram outras coisas excitantes: pela primeira vez, apareceu sobre ele um minucioso artigo numa revista de arte. Em Paris, foi aberta a Exposição do Grupo de Bruxelas, “Les XX” e ele estava nela representado com algumas pinturas; ao mesmo tempo, preparava-se a nova exposição dos “Independentes” para Março, na qual também deveria participar.
Por fim, recebeu a notícia de que Anna Boch, irmã do poeta Eugene Boch, havia comprado em Bruxelas o seu quadro “A vinha vermelha” por 400 francos. Foi seu primeiro quadro vendido e muitos historiadores afirmam que foi o único durante sua vida.
Os acontecimentos dessas últimas semanas foram demais para ele. Sofreu um novo ataque que desta vez durou quase 2 meses, mais tempo que os anteriores. Voltaram dias sombrios de completa alienação, angústia, horror, com alucinações e ataques de fúria. Algumas semanas depois, sentiu-se melhor e visitou a família do irmão em Paris.
Em Maio de 1890 seguiu para Auvers-sur-Oise, perto de Paris, onde o médico e pintor amador Dr. Gachet se declarara pronto a cuidar dele daí em diante. Por muitas vezes dele se apoderava uma comoção nervosa.
O que fascinava Van Gogh era a pintura de retratos, o retrato moderno, mais ainda do que motivos religiosos e paisagens.
Os seus modelos foram sempre gente simples, modesta, das suas vizinhanças. Não era a beleza exterior ou umas certas feições que lhe parecia serem essas pessoas dignas de ser retratadas, mas tão somente a sua humanidade.
Embora sempre trazidas no quadro a um primeiro plano, todas elas conservam alguma coisa de misterioso e o irregular Van Gogh abandonou completamente o encanto lisonjeiro da habitual pintura de retratos. Pela textura crespa da cor, o rosto toma a aparência de um motivo paisagístico, a pele uma constituição rude, natural.
A composição “Camponesa com chapéu de palha, sentada em frente de uma seara”, de 1890, é típica. O azul puro da blusa, carregada de pontinhos laranja-vermelho, contrastando com os tons quentes do trigo e do avental, assim como com o amarelo-ouro do chapéu e do alaranjado da sombra. Aqui reaparecem traços do realismo e da rudeza das suas anteriores cenas campestres de tonalidades castanhas.
Apesar disso, este retrato fica atrás do “Retrato do Dr. Gachet”, 1890, a obra prima indiscutível na sua arte retratista. A personalidade estranha e excêntrica do médico, que também pintava e era amigos de vários dos impressionistas, tinha-o tocado profundamente, Melancolia, tristeza e resignação que se podem ler no rosto de Gachet, penetram e determinam todo o quadro.
"E agora podia... sentir um coração em tudo isto, a alma daquele que o criara, que com esta visão deu a si mesmo uma resposta 'a persistência da mais medonha dúvida, podia sentir, podia saber, podia compreender, podia gozar abismos e alturas, o exterior e o interior das coisas, um e tudo na milésima-décima parte do tempo que me leva aqui a escrever estas palavras..." (Hugo Von Hoffmannsthal, carta de 26 de Maio de 1901).