Amadeo de Souza-Cardoso mudou-se para
Paris em 1906. Tinha 19 anos e queria continuar os estudos de
arquitectura que tinha iniciado em Lisboa. A vibração do meio
artístico parisiense afectou radicalmente o seu destino,
conduzindo-o para o caminho da pintura. Em 1907, impressionado pelos
desenhos que recebeu de Paris, o escritor Manuel Laranjeira
(1877-1912) já saudava o seu jovem amigo como "um artista no
sentido absoluto da palavra".
Amadeo nasceu na quinta dos
seus pais em Manhufe, Amarante (Portugal), em 14 de Novembro de 1887.
Cresceu entre nove irmãos, numa família rica de proprietários
rurais. Passou a sua infância entre a casa em Manhufe e as estâncias
de verão na praia de Espinho. Lá conheceu Manuel Laranjeira, uma
amizade que foi decisiva para alimentar a prática do desenho, que
Amadeo desenvolveu em Lisboa como parte dos estudos preparatórios em
Architecutre na Academia de Belas Artes de Lisboa. Isto foi em
1905.
A viagem a Paris, em Novembro do ano seguinte, em
companhia de Francisco Smith, não teve data fixa de regresso.
Financiado pelos seus pais, Amadeo instalou-se no Boulevard
Montparnasse e preparou-se para o concurso para a École des Beaux
Arts. Contudo, o ambiente parisiense reforçou a sua inclinação
para o desenho e caricatura, contribuindo assim para se afastar
definitivamente do campo da Arquitectura. Particularmente
influenciado pelas ilustrações que circulavam na imprensa francesa,
Amadeo cedo se dedicaria ao desenho e à pintura.
Os primeiros
anos da estadia de Amadeo em Paris foram marcados pelas interacções
sociais com outros emigrantes portugueses. O estúdio que arrendou na
rua Cité Falguiére, 14 tornou-se um local de encontros e boémia,
com a presença frequente de artistas como Manuel Bentes, Eduardo
Viana (que foi com ele numa viagem à Bretanha em 1907), Emmerico
Nunes, Domingos Rebelo e Smith. Estes encontros regulares não
duraram muito tempo.
No final de 1908, e início do ano seguinte, vieram mudanças importantes na vida de Amadeo: conheceu Lucia Pecetto (1890-1989), com quem casou em 1914, e começou a frequentar as aulas do pintor espanhol Anglada-Camarasa (1871-1959) na Academia Viti. Mudou então o seu estúdio para a rue des Fleurus, para um espaço contíguo ao apartamento de Gertrude Stein.
Estas mudanças poderiam tê-lo ajudado a distanciar-se do circuito dos artistas portugueses. Mas esse desprendimento voluntário parecia transmitir, principalmente, uma ruptura a nível visual e uma vontade de romper com a "rotina tardia" que lhes atribuía. O nível de exigência e empenho no trabalho que já estava a produzir até então, colocou-o num domínio sem paralelo na pintura portuguesa, uma vez que Amadeo mergulhou profundamente nas investigações do Modernismo Internacional que se estava a desenvolver em Paris.
É nesse contexto de investigação formal que, em 1910, o vamos a encontrar entusiasmado com as pinturas dos "Primitivos" flamengos (mais de 3 meses de estadia em Bruxelas). É também neste período que o encontramos a solidificar a sua amizade com Amedeo Modigliani (1884-1920).
Em 1911, Amadeo mudou uma vez mais o seu estúdio. Mudou-se para perto da Quai d'Orsay, na rue du Coronel Combes. Em Outubro, participou numa exposição com Modigliani neste espaço. Esta não foi, contudo, a primeira exposição da sua obra. Alguns meses antes, Amadeo tinha exposto uma colecção de 6 quadros no Salon des Indépendents. Ele voltaria a expor lá no ano seguinte e em 1914. Do mesmo modo, mostrou o seu trabalho no Salon d'Automne entre 1912 e 1914. Entretanto, o seu círculo de amigos e conhecidos aumentou e tornou-se mais internacional. Conheceu Umberto Boccioni, Gino Severini, e Walter Pach, que mais tarde o convidou a participar no Salão de Armory. Esteve também em contacto com Juan Gris (1887-1927), Max Jacob (1879-1944), Sonia e Robert Delaunay, Brancusi (1876-1957), Archipenko (1887-1964), Umberto Brunelleschi (1879-1947) e Diego Rivera (1886-1957), entre outros.
O interesse de
Amadeo em desenhar consolidou-se ao longo deste período com a
preparação do manuscrito ilustrado do Légende de Saint Julien
L'Hospitalier de Flaubert e a publicação do álbum XX Dessins
(reeditado pelo CAM em 1983), com prefácio de Jérôme Doucet, que
mereceu um julgamento muito favorável por parte do célebre crítico
Louis Vauxcelles.
Amadeo também se esforçaria por mostrar a
sua pintura fora do circuito parisiense. Os contactos que estabeleceu
durante estes anos permitir-lhe-iam participar numa série de
importantes exposições colectivas, entre as quais a famosa
Exposição Internacional de Arte Moderna de 1913, também conhecida
como Armory Show, que expôs arte moderna europeia pela primeira vez
nos EUA (Nova Iorque, Chicago e Boston). Amadeo apresentou um total
de oito obras, juntamente com Braque (1882-1963), Matisse, Duchamp
(1887-1968), Gleizes (1881-1953), Herbin e Segonzac (1884-1974).
Três das suas telas foram compradas pelo coleccionador de Chicago Arthur J. Eddy, que ao publicar Cubist and Post-Impressionism (1914), citou e reproduziu algumas das obras do pintor português, dando-lhe destaque por causa da sua coloração. Outros contactos importantes levariam Amadeo para a Alemanha.
Em Setembro de 1913, após mais uma mudança de estúdio (que o levou a instalar-se em Montparnasse, na rue Ernest Cresson), estaria representado no I Herbstsalon em Berlim, organizado pela galeria Der Sturm. Amadeo já tinha trabalhado com esta galeria de Berlim em Novembro de 1912, quando expôs pela primeira vez no seu espaço. É altamente provável que em 1914 tenha participado em exposições em Colónia e Hamburgo, e é certo que, em Abril do mesmo ano, enviou três obras para a Royal Academy of Arts em Londres, embora esta exposição fosse cancelada quando a Guerra irrompesse.
Também em 1914, antes de deixar Paris para passar o verão em Portugal como habitualmente, Amadeo mudou o seu estúdio para Vila Louvat, na rue Boulard 38. No entanto, ele nunca utilizaria este espaço. Após uma breve estadia em Barcelona onde visitou o seu amigo, o escultor León Solá, e conheceu Gaudí, Amadeo regressou a Manhufe onde foi surpreendido pelo surto da Guerra, o que o impediu de regressar a Paris.
A estadia forçada de Amadeo em Portugal não foi o equivalente a uma apatia criativa. Se, enquanto esteve em Paris, o seu trabalho tivesse explorado os campos da abstracção, e depois seguido por caminhos comprometidos com o Expressionismo, o exílio em Portugal acabaria por se tornar um momento de plena maturidade na sua pintura, abordando muitas das questões que foram levantadas pelo domínio da colagem.
Em 1915, o isolamento de Amadeo em Amarante foi
quebrado pelo contacto com Sonia e Robert Delaunay, pois ambos foram
também inesperadamente levados a instalar-se em Vila do Conde por
causa da Guerra. Foi através deles que o seu círculo de relações
recuperou Eduardo Viana, e se estendeu a Almada Negreiros. Dentro
deste cacho de amizades, diversos projectos iriam reunir-se,
nomeadamente a criação de uma Nouvelle Corporation destinada a
promover exposições itinerantes internacionais, uma ideia que nunca
chegou a ser concretizada. Entretanto, através de Almada, Amadeo
entrou em contacto com o grupo dos "Futuristas" de Lisboa,
inicialmente reunidos em torno da revista Orpheu.
Na luta para
agitar as coisas no meio artístico português, Amadeo desempenhou um
papel discreto, mas relevante. Em finais de 1916, numa entrevista
conhecida que deu ao jornal O Dia, parafraseou em grande parte os
manifestos de Marinetti. Não que as propostas do Futurismo o tenham
cativado como uma solução formal. A postura radical e modernista
associada a este movimento em Portugal, era no entanto conveniente
para Amadeo, como meio de intervenção e de ruptura com as
estruturas tradicionalistas dominantes, que o tinham atacado por
ocasião das duas únicas exposições que ele fez em Portugal.
Em Dezembro de 1916 Amadeo promoveu, primeiro no Porto e depois em Lisboa, uma exposição para a qual tinha reunido 114 quadros sob o título Abstraccionismo. A cultura estética desencontrada em Portugal foi um acolhimento favorável das propostas pictóricas de Amadeo, e estas exposições adquiriram uma aura de escândalo (marcada, no extremo, por uma agressão física ao pintor).
É importante salientar, neste contexto, o papel central desempenhado por Almada Negreiros e Fernando Pessoa na sua defesa pública. Ambos o reconheceram como o pintor mais significativo do seu tempo. Mas estas foram, não obstante, manifestações excêntricas e isoladas.
Em Outubro de 1918, Amadeo morreu em Espinho, vítima de uma epidemia de pneumonia que irrompeu nesse ano (a conhecida como Gripe Espanhola). Ele tinha apenas 30 anos de idade.
Vídeo: A velocidade da inquietação
Menina dos Cravos, 1913 - Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.