Atravessado por uma forte instabilidade política, Portugal era em meados do século XIX um palco de contradições e dúvidas. A industrialização tardava em arrancar, a burguesia não acertava o passo com as suas congéneres europeias e o País atrasava-se irremediavelmente face às novidades vindas do estrangeiro.
Entretanto em Paris, conduzida pelos pintores de Barbizon vivia-se uma rebelião contra o academismo vigente nas artes. Estes artistas reivindicavam a representação dos afazeres do homem simples, através da pintura praticada ao ar livre, numa aproximação humilde aos motivos da natureza. Um dos acontecimentos que simbolizou a sua afirmação verificou-se quando Gustave Courbet inaugurou a mostra Pavillon du Realisme. Realizada como contraponto à institucional Grand Exposition Universelle, de Louis Napoléon, provocou reacções bastante negativas no seio dos meios artísticos mais conservadores. Estes, teimosamente, reafirmavam a impossibilidade do homem comum ser um objecto digno do olhar da arte.
Indiferentes à polémica, os pintores preferiram concentrar as suas atenções nos efeitos que a luz, a atmosfera e a cor podiam propiciar na criação de cenas onde o ser humano, apesar de dominado pela natureza ou pelas condições de vida, surgia como um herói que qualquer um podia encontrar nos arredores da cidade, em qualquer trabalho agrícola.
A um nível técnico, o realismo francês vinha também propor um gesto mais livre baseado na aplicação directa da mancha sobre a tela e na compreensão da luz como elemento criador de diferentes tonalidades, formas e contrastes. Nesta corrente “realista”, que existiu entre 1830 e 1870, destacaram-se, entre outros, Jean-François Millet, Jean-Baptiste Corot e Gustave Courbet.
Foi exactamente em 1870 que Silva Porto chegou à capital francesa para estudar pintura. Desde logo influenciado pelo realismo, começou a pintar ao livre embrenhando-se nas florestas e bosques. Findada a aprendizagem e depois de uma passagem por Itália, onde aproveitou para acentuar o seu interesse pelos motivos folclóricos e os ciclos da natureza, regressaria ao Porto em 1879.
Em Portugal, não existia uma tradição pictórica da paisagem pelo que a sua obra (associada a uma novidade estética) foi muito bem recebida. A inovação do ar-livrismo era um contraponto ao habitual transporte de elementos da natureza para o atelier (que caracterizava o romantismo) e a introdução de uma expressão contemplativa da natureza despojava esta de quaisquer adereços desnecessários.
Tal como Silva Porto, muitos dos autores que apoiariam o seu percurso haviam crescido no campo (Teixeira de Queirós, Abel Botelho Lourenço Pinto, Júlio Dinis e Ramalho Ortigão, por exemplo) e viam na sua pintura a resistência a um futuro ambíguo e ameaçador. O campo, as paisagens, a lavoura, os animais e a natureza pintados nas telas ofereciam uma segurança douradora e garantida.
Influenciado pelas heranças do classicismo, e de um certo romantismo, a obra de Silva Porto acabou por corresponder, ainda que de forma involuntária, a estas expectativas.
De início marcado por uma certa rigidez, o traço do pintor rapidamente se deixou envolver pela presença da natureza onde árvores e florestas o libertavam para uma postura humilde e contemplativa.
O reencontro com a paisagem portuguesa veio também possibilitar-lhe inovações de ordem cromática, sublinhando a presença da luz (Charneca de Belas ao pôr do Sol), de novos registos animalistas (Os Bois), ou de aproximações ao impressionismo que não se repetiriam (No Areinho, Douro).
Interessado nas realidades locais e seus costumes, Silva Porto percorre aldeias, bosques, povoações, ribeiros e rios captando, momentos e gestos de uma relação simples, e não conflituosa, entre o Homem e Natureza.
Em 1886 expõe um dos seus quadros mais famosos: A Volta do Mercado, obra que retrata a viagem de regresso de uma família saloia a casa. Plena de pormenores, sincera, colorida de uma forma que se queria fiel ao testemunho, esta pintura mostrava a figura humana destituída de qualquer inquietação ou atrevimento. Outros motivos se seguiram revelando progressos técnicos. As margens dos rios, como lugares de trabalho ou contemplação, os costumes das gentes (minhotas e campinos) e as suas tarefas tornam-se temas recorrentes.
A fidelidade ao momento, o rigor descritivo, a escassez de elementos não campestres ou ausência de qualquer complexidade formal foi oferecendo à sua obra um cada vez maior sentimentalismo. Pintura marcante, Guardando o Rebanho(1893) chegou a ser identificada como exemplo de um naturalismo idealista. Tal verificar-se-ia também em Ceifeiras (1893) onde se acalentava uma ideia da terra como lugar generoso onde os ciclos da vida se assemelhavam aos ciclos do campo.
O que vibrava na sua pintura era essencialmente a Natureza e não os gestos do Homem, porquanto a imaginação acabava por se submeter à paisagem e não o contrário. Ao contrário dos impressionistas, que neste período dominavam já a cena artística europeia, Silva Porto quando representava o que o encontrava no campo raramente ousou subverter a verdade óptica. Aquilo que via era o que representava de forma fiel e não havia lugar para uma individualização do fazer que pudesse ameaçar a descrição.
Poucos elementos eram adicionados às obras para além de um encontro sentimental e monótono com a natureza. Aquilo que esta pudesse conter ou oferecer, se invisível, não era passado à tela. Exemplos dessa necessidade de respeitar os motivos – numa sincera apologia da agricultura – foram as obras sobre o tema das cancelas, como Cancela Vermelha, datada 1880, e Cancela, Serreléis (Minho).Sublinhavam também a atracção por um intimismo e privacidade a que autores com Júlio Dinis e, fundamentalmente Ramalho Ortigão, acabariam por dar uma interpretação literária.
A Natureza, e seus elementos (sol, árvores, pasto, animais, rios) não forneciam contexto para festejos ou comemorações, momentos de tensão ou cansaço. Simbolizavam antes uma devoção do homem ao que a terra tinha para oferecer. Esta atitude quase reverencial acabaria também por situar Silva Porto longe das posições reivindicativas da maioria dos realistas franceses que não se coibiram tanto na arte, como na vida política, de intervir de forma empenhada na realidade social revelando, por vezes, fortes simpatias socialistas. Apolítica, a pintura de Silva Porto acabaria, facilmente, por ser usada para fins propagandísticos durante o Estado Novo.
Nascido e educado num umem im país que permanecia indeciso entre o desafio do progresso e o conforto da tradição que o ruralismo oferecia, Silva Porto limitou-se a abraçar a segurança da vida provinciana (como aliás o próprio Eça de Queiroz, reconhecido escritor progressista, que no fim da sua vida optaria pelo mesmo caminho).
Do gesto e vontade de Silva Porto ficou para a história da arte portuguesa um optimismo que atravessa despretensiosamente diferentes cenários naturais do País. Na maioria das suas pinturas reconhecemos, de forma imediata, um comovente amor à gente rústica, aos seus momentos, tarefas ou até à função que ela deteria no contexto da ordem social do século XIX. Silva Porto possuía uma fé infinita na terra e na natureza. Fé essa que determinaria a sua vida e obra e que vemos hoje reflectida nas telas da sua autoria.