Júlio Pomar (Lisboa, 1926 – 2018) expôs pela primeira vez em 1942, em Lisboa, numa mostra de grupo no seu atelier, e realizou a primeira exposição individual em 1947, no Porto, na Galeria Portugália, apresentando desenhos que seriam no ano seguinte editados num álbum prefaciado por Mário Dionísio.
Após um período de afirmação inicial, com um marcado cunho de intervenção política no contexto do pós-guerra, a pintura de Pomar orientou-se no sentido de uma observação do real que interroga a aparição da imagem, definindo os corpos em movimento numa figuração discontínua e fragmentária, a qual teve a sua mais conhecida expressão nas séries “Tauromaquias” (1960-64) e “Les Courses”, corridas de cavalos (1964-66), expostas em Paris na Galerie Lacloche.
No início da sua carreira, foi um dos animadores do movimento neo-realista porém, já havia deixado o neo-realismo quando se instalou em Paris, em Junho de 1963. Em Paris, não se junta a nenhum grupo artístico nem pratica as linguagens artísticas em voga, mantendo uma posição de distância crítica em relação aos movimentos artísticos contemporâneos. Regressaria várias vezes a Portugal nos seguintes 20 anos.
Esta defesa da autonomia leva-o a manter-se fiel à expressão do gesto, à exploração da linha, à abertura da composição a uma linguagem pictórica informal.
Em 1967 fez as primeiras montagens com materiais encontrados e no ano seguinte iniciou duas séries paralelas, uma das quais sobre as convulsões de Maio de 1968. Expôs de novo em Lisboa e, a partir de 1969, iniciou uma colaboração regular com a Galeria 111 de Manuel de Brito, que a partir de agora o representaria em Portugal.
Organizando-se em ciclos temáticos a que correspondem rupturas ou novas linguagens formais, a obra de Pomar prosseguiu com os ciclos “Rugby”, “Maio 68” e “Le Bain Turc, d’après Ingres” (1967-73), tendo o Museu do Louvre exibido um quadro desta série no âmbito de uma exposição dedicada ao quadro de Ingres (1971).
A um período em que predominam os retratos (1972-76 – primeiro expostos na Galeria 111, Lisboa, em 1973), onde as formas sintéticas e emblemáticas se definem em planos de cores lisas, sucede a opção por processos de colagem de telas recortadas e previamente pintadas, por vezes também com a incorporação de objectos encontrados, a que correspondem os temas eróticos das exposições “L’Espace d’Eros” (Galerie de la Différence, Bruxelas, 1978) e “Théâtre du Corps” (Galerie Bellechasse, Paris, 1979).
Quando ocorre a revolução de Abril de 1974 Pomar está em Lisboa, onde permanece durante vários meses. Ao longo da década de 1970 publicou uma colecção de poemas, participou em importantes exposições internacionais, nomeadamente na Bienal de S. Paulo, Brasil, em 1976, e realizou importantes exposições individuais, das quais se destaca a primeira retrospectiva da sua obra, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, ambas em 1978.
Caracterizada por um tipo de figuração que cruza a surpresa do processo de associação de imagens aprendidas com o surrealismo e o património do expressionismo abstracto, a pintura de Pomar nas últimas décadas resulta de uma atividade intensa e de um desejo permanente de diversificação temática.
Nas suas combinações encontraremos tigres e chapéus de chuva, macacos, retratos, mais ou menos explícitos; por vezes parece clara a sua vontade de procurar as suas raízes, como na sua famosa pintura Lusitânia no Bairro Alto (1985), com retratos de Mário de Sá Carneiro, Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso.
Entre os mais significativos trabalhos posteriores, onde já é patente o regresso a uma vibrante gestualidade pictural, podem destacar-se “Os Tigres” (Paris, 1981; Lisboa, 1982) e novas séries de retratos a propósito do poema “O Corvo”, de Edgar Poe, e de “Mensagem”, de Fernando Pessoa (1982-86). Deslocações ao Brasil estão na origem das exposições “Os Mascarados de Pirenópolis” (1988, Lisboa e Madrid) e, após uma estadia no Alto Xingú, Amazónia, “Os Índios” (Madrid e Paris, 1990).
Pomar se dedicou especialmente à pintura e ao desenho, mas realizou igualmente trabalhos de gravura, escultura e «assemblage», ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo.
De entre as encomendas para edifícios públicos, para além dos frescos pintados no Cinema Batalha (Porto 1946-7), ocultados por ordem policial, destacam-se os trabalhos em azulejo para as estações de Alto dos Moinhos (1983-84), Jardin Botanique, em Bruxelas (1992), e Corroios (1998), e também para o Gran’Circo Lar (Brasília, 1987) e a sala de audiência do Tribunal da Moita (com o arquitecto Raul Hestnes Ferreira, 1993), bem como as tapeçarias executadas para as sedes do Montepio Geral e da Caixa Geral de Depósitos.
Entre as numerosas obras que ilustrou contam-se “Guerra e Paz” de Tolstoi (1956-58); “O Romance de Camilo, de Aquilino Ribeiro (1957); “D. Quixote”, de Cervantes (em 1960 e de novo em 2005); “A Divina Comédia”, de Dante (1961, desenhos reeditados em 2006 com novos retratos do autor); “Emigrantes” e “A Selva”, de Ferreira de Castro (1966 e 1973); “Pantagruel”, de Rabelais (1967); “Kidama Vivila”, de Gilbert Lely (1977); “Rose et Bleu”, de Jorge Luís Borges (1978); “Mensagem”, de Fernando Pessoa” (1985); “La Chasse au Snark”, de Lewis Carroll (1999).
Além de diversos textos publicados em revistas e catálogos, sobre outros artistas e sobre a sua própria obra, Pomar é autor dos livros de ensaios sobre pintura “Discours sur la Cécité des Peintres” (Editions de la Différence, Paris, 1985), com tradução portuguesa de Pedro Támen, “Da Cegueira dos Pintores” (1986, Imprensa Nacional); “– Et la Peinture?” (La Différence, 2000) e “Então e a Pintura?” (D. Quixote, 2003). Publicou também dois livros de poesia: “Alguns Eventos” (Pub. D. Quixote, 1992) e «TRATAdoDITOeFeito» (D. Quixote, 2003).
Referencias: Fundação Julio Pomar – Lisboa, Portugal
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